“memória ao contrário”
“Registar / nessa memória / ao contrário /
de trás / para diante / as palavras /
e depois / soletrá-las / do fim para o princípio”
Carlos de Oliveira, Trabalho Poético
# ao contrário
Sem fim nem princípio, observe-se uma linha de forma elíptica, desenhada a carvão: é uma figura que parece suspender a linearidade e a gravidade da caligrafia (e da leitura) e representa (desenhando-o) um 0VO.
Levante-se o olhar ao encontro de duas linhas oblíquas, unidas por um ponto convergente: contraponto quase vertical da anterior figura circular,
esta letra parece unir os caracteres da palavra de que é centro, OVO.
Desalinhe-se a ordem da leitura para que se possa ver “ao contrário / de trás / para diante / a[ ] palavra[ ]”. Espanto ou espelho, é uma e a mesma palavra, som a som, como eco, um anagrama: ovo/ovo. Trata-se, portanto, de uma palavra – manuscrita e desenhada –, inscrita para ser lida e vista.
Em dois tempos, aqui parece estar precisamente o coração da metáfora que este corpo orgânico (o ovo) contém. Por um lado, a representação manuscrita que lhe dá forma legível é, ela própria, circular, pois permite uma leitura inversa à da ordem linear da escrita. Por outro, a duplicação do nome (virtualmente ao infinito) – ovoovo – permite revelar, inscrita naquela continuidade sonora, o princípio da história que a exposição “Do ovo ao voo” conta. Experimental e ludicamente, o jogo verbal observado parece aclarar, então, o jogo visual de que decorre o conceito que Ricardo Barbeito entreviu na palavra e na figura do ovo.
# memória
Cubos como casas, casas como cubos. Tabuleiros de ovos sem ovos. Estruturas modulares e tridimensionais, de madeira e de metal, em escada. Em escala (quase) humana.
Por contraste com a unidade orgânica do ovo, que contém um embrião animal (invisível aos nossos olhos), os variados maquinismos de produção por que o ovo transita são construções engendradas (diga-se assim) artificialmente.
Nesta instalação – que pode eventualmente ser interpretada como uma (hipótese de uma) narrativa do movimento e da invisibilidade – os mecanismos, vazios, parecem aludir a uma presença dos ovos a que (não) nos é permitido aceder. Daquele passado permanecem sons e luzes, audíveis e visíveis, sombras ou halos como memória da passagem (alada) das criaturas geradas ab ovo.
# “do fim para o princípio”
Assim como no centro da palavra (reiterada) que gera a ideia desta exposição contém em si mesmo uma promessa de movimento – ovoovo –, também a presente instalação parece reenviar, sala a sala, passo a passo, para o processo (contínuo) de criação (natural e humana).
De facto, por um lado, a articulação (desencontrada no espaço) das várias peças instaladas permite pôr a nu o processo de criação avícola. Por outro, a dialogar com estas estruturas mecânicas, são expostos desenhos (a grafite) e exercícios gráficos que recorrem ao jogo visual com a palavra ovo.
Do nascimento e da eclosão permanecem rastos (cascas) que contêm a memória do embrião e vestígios do voo. Ou, melhor, em caminho inverso – “do fim para o princípio” – do voo, iniciado, invisível, ao ovo, permanecem apenas fragmentos, única realidade material deste processo.
Como se fosse impossível acompanhá-lo em tempo real ou interromper o devir criativo, a mão (a arte) representa o que na natureza muda (voa). Tal como o traço desenhado é único e irrepetível, assim cada recorte em cada casca de ovo é aleatório e diferente de qualquer outro. Talvez aqui se encontrem natureza e arte, no que têm de singular e original.
Diana Pimentel
Esta mostra poderá ser vista até ao próximo dia 18 de Abril.
“Registar / nessa memória / ao contrário /
de trás / para diante / as palavras /
e depois / soletrá-las / do fim para o princípio”
Carlos de Oliveira, Trabalho Poético
# ao contrário
Sem fim nem princípio, observe-se uma linha de forma elíptica, desenhada a carvão: é uma figura que parece suspender a linearidade e a gravidade da caligrafia (e da leitura) e representa (desenhando-o) um 0VO.
Levante-se o olhar ao encontro de duas linhas oblíquas, unidas por um ponto convergente: contraponto quase vertical da anterior figura circular,

Desalinhe-se a ordem da leitura para que se possa ver “ao contrário / de trás / para diante / a[ ] palavra[ ]”. Espanto ou espelho, é uma e a mesma palavra, som a som, como eco, um anagrama: ovo/ovo. Trata-se, portanto, de uma palavra – manuscrita e desenhada –, inscrita para ser lida e vista.
Em dois tempos, aqui parece estar precisamente o coração da metáfora que este corpo orgânico (o ovo) contém. Por um lado, a representação manuscrita que lhe dá forma legível é, ela própria, circular, pois permite uma leitura inversa à da ordem linear da escrita. Por outro, a duplicação do nome (virtualmente ao infinito) – ovoovo – permite revelar, inscrita naquela continuidade sonora, o princípio da história que a exposição “Do ovo ao voo” conta. Experimental e ludicamente, o jogo verbal observado parece aclarar, então, o jogo visual de que decorre o conceito que Ricardo Barbeito entreviu na palavra e na figura do ovo.
# memória
Cubos como casas, casas como cubos. Tabuleiros de ovos sem ovos. Estruturas modulares e tridimensionais, de madeira e de metal, em escada. Em escala (quase) humana.
Por contraste com a unidade orgânica do ovo, que contém um embrião animal (invisível aos nossos olhos), os variados maquinismos de produção por que o ovo transita são construções engendradas (diga-se assim) artificialmente.
Nesta instalação – que pode eventualmente ser interpretada como uma (hipótese de uma) narrativa do movimento e da invisibilidade – os mecanismos, vazios, parecem aludir a uma presença dos ovos a que (não) nos é permitido aceder. Daquele passado permanecem sons e luzes, audíveis e visíveis, sombras ou halos como memória da passagem (alada) das criaturas geradas ab ovo.
# “do fim para o princípio”
Assim como no centro da palavra (reiterada) que gera a ideia desta exposição contém em si mesmo uma promessa de movimento – ovoovo –, também a presente instalação parece reenviar, sala a sala, passo a passo, para o processo (contínuo) de criação (natural e humana).
De facto, por um lado, a articulação (desencontrada no espaço) das várias peças instaladas permite pôr a nu o processo de criação avícola. Por outro, a dialogar com estas estruturas mecânicas, são expostos desenhos (a grafite) e exercícios gráficos que recorrem ao jogo visual com a palavra ovo.
Do nascimento e da eclosão permanecem rastos (cascas) que contêm a memória do embrião e vestígios do voo. Ou, melhor, em caminho inverso – “do fim para o princípio” – do voo, iniciado, invisível, ao ovo, permanecem apenas fragmentos, única realidade material deste processo.
Como se fosse impossível acompanhá-lo em tempo real ou interromper o devir criativo, a mão (a arte) representa o que na natureza muda (voa). Tal como o traço desenhado é único e irrepetível, assim cada recorte em cada casca de ovo é aleatório e diferente de qualquer outro. Talvez aqui se encontrem natureza e arte, no que têm de singular e original.
Diana Pimentel
Esta mostra poderá ser vista até ao próximo dia 18 de Abril.
Museu de Arte Contemporânea do Funchal