artístico, uma insistente exploração da pintura cujo tema são os espaços interiores e os objectos que lá podem ser encontrados. Trata-se de uma pintura que não representa o ser humano, nem o corpo, nem a figura, mas que os refere constantemente através dos interiores solitários, porém vivenciados, de modo tácito, por pessoas. Quando a artista aproxima o olhar aos pequenos objectos do quotidiano, fá-lo de modo a potenciar referências históricas, pessoais e sociais, que remetem para o universo pop da dignificação do aparentemente banal, enquanto produto de massas. E potencia também essas referências através da recuperação simbólica de objectos e atitudes esquecidas, mas carregados de intensa significação poética.
Mais uma vez, operando uma síntese, Filipa usa de espaços e de objectos, e desconstrói a identidade da casa, nesta instalação «com pintura e tudo» (citando aqui a exposição de Isabel Santa Clara, na casa-Museu Frederico de Freitas, nos anos 90). A artista propõe um percurso pelo espaço que se (in)alterou com o tempo, e que de fortaleza passou a ser museu. Agora nem casa, nem apartamento, nem fortaleza, mas ainda museu – no que de museu há na atitude de arrumação dos objectos expostos, de modo a criar um ambiente semiótico conciso.
O diálogo entre a pintura, enquanto objecto pendurável que faz parte do espaço interior que se habita, e os móveis que se usam, é um diálogo circular, num confronto em espiral entre a representação e a realidade matérica (da pintura e dos objectos). Povoa-se o vazio das paredes e do chão com uma vibração cromática e volumétrica que pontua o espaço de um modo, dir-se-á, supenso. Seguindo caminhos já apontados em outras mostras, a artista joga aqui com a deslocação, com a interferência e com o acumular de memórias descontextualizadas q.b., criando uma estranheza formada de vários tons e nuances diversificadas, ao longo das «assoalhadas» vestidas de casa.
Neste contexto, a participação de Carlos Valente (eu) introduz o movimento e o tempo da imagem vídeo, a imagem do outro (que sou eu), a imagem de quem observa e prolonga o seu ponto de vista crítico – verbalmente concretizado nestas linhas – acerca da exposição, na exposição mesma. O vídeo acontece numa peça de mobiliário, um televisor de ecrã plano. Trata-se também de um equipamento que pertençe a essa mesma familia de objectos concebidos para ocupar espaços caseiros, e não só.
O design de interiores está «quase» presente graças à construção de pequenos apontamentos de ambiente. A colaboração da loja Intemporâneo, enquanto fornecedor activo no projecto, com a artista enquanto cliente real, permitiu a obtenção de ambientes que não recriam uma loja de mobílias e nem sequer uma casa, mas que se situam no limbo. Permanecem a meio caminho entre o espaço de exposição comercial de bens móveis, de mesas, cadeiras, tapetes e candeeiros e o espaço eternamente provisório que é o lar.
O choque é subtil, no confronto entre o novo e a tradição. Este «medir de forças» entre peças de mobiliário reflecte-se na pintura que, ironicamente, coloca em jogo diferentes «choques-subtis» de relação.
O diálogo entre peças de diferentes procedências estilísticas e temporais, quer presentes quer representadas, faz-se com algum humor e com forte gosto retro, bem patente nas escolhas da artista e que, certamente, encontramos ao longo do seu percurso artístico.
Nas pinturas ninguém habita os espaços, a não ser mediante figuras contidas em objectos-imagem, como num televisor. Cada quadro lembra um estudo, uma hipótese de arrumação, ou talvez uma presença de outrora; uma ocupação perdida no imaginário de um tempo impossível de mapear, porque fictício. O deambular pelo(s) andar(es) sugere um modelo de habitação expandido, formado por habitáculos ora contíguos, ora interrompidos por zonas de ligação austeras e despojadas de intervenção.
Filipa Venâncio apropria-se da outrora-fortaleza-agora-museu e propõe-nos um olhar filtrado pelo enmascaramento dos objectos: criando funções inacabadas, esboços de estar, de descansar, de esperar, de comer, de dormir, qual sonho (im)puro e diluído, como aqueles que temos de vez em quando e que nos deixam a sensação dúbia de termos estado ali, com toda a nitidez do mundo real mas, irremediavelmente, num sonho.
Mais uma vez, operando uma síntese, Filipa usa de espaços e de objectos, e desconstrói a identidade da casa, nesta instalação «com pintura e tudo» (citando aqui a exposição de Isabel Santa Clara, na casa-Museu Frederico de Freitas, nos anos 90). A artista propõe um percurso pelo espaço que se (in)alterou com o tempo, e que de fortaleza passou a ser museu. Agora nem casa, nem apartamento, nem fortaleza, mas ainda museu – no que de museu há na atitude de arrumação dos objectos expostos, de modo a criar um ambiente semiótico conciso.
O diálogo entre a pintura, enquanto objecto pendurável que faz parte do espaço interior que se habita, e os móveis que se usam, é um diálogo circular, num confronto em espiral entre a representação e a realidade matérica (da pintura e dos objectos). Povoa-se o vazio das paredes e do chão com uma vibração cromática e volumétrica que pontua o espaço de um modo, dir-se-á, supenso. Seguindo caminhos já apontados em outras mostras, a artista joga aqui com a deslocação, com a interferência e com o acumular de memórias descontextualizadas q.b., criando uma estranheza formada de vários tons e nuances diversificadas, ao longo das «assoalhadas» vestidas de casa.
Neste contexto, a participação de Carlos Valente (eu) introduz o movimento e o tempo da imagem vídeo, a imagem do outro (que sou eu), a imagem de quem observa e prolonga o seu ponto de vista crítico – verbalmente concretizado nestas linhas – acerca da exposição, na exposição mesma. O vídeo acontece numa peça de mobiliário, um televisor de ecrã plano. Trata-se também de um equipamento que pertençe a essa mesma familia de objectos concebidos para ocupar espaços caseiros, e não só.
O design de interiores está «quase» presente graças à construção de pequenos apontamentos de ambiente. A colaboração da loja Intemporâneo, enquanto fornecedor activo no projecto, com a artista enquanto cliente real, permitiu a obtenção de ambientes que não recriam uma loja de mobílias e nem sequer uma casa, mas que se situam no limbo. Permanecem a meio caminho entre o espaço de exposição comercial de bens móveis, de mesas, cadeiras, tapetes e candeeiros e o espaço eternamente provisório que é o lar.
O choque é subtil, no confronto entre o novo e a tradição. Este «medir de forças» entre peças de mobiliário reflecte-se na pintura que, ironicamente, coloca em jogo diferentes «choques-subtis» de relação.

Nas pinturas ninguém habita os espaços, a não ser mediante figuras contidas em objectos-imagem, como num televisor. Cada quadro lembra um estudo, uma hipótese de arrumação, ou talvez uma presença de outrora; uma ocupação perdida no imaginário de um tempo impossível de mapear, porque fictício. O deambular pelo(s) andar(es) sugere um modelo de habitação expandido, formado por habitáculos ora contíguos, ora interrompidos por zonas de ligação austeras e despojadas de intervenção.
Filipa Venâncio apropria-se da outrora-fortaleza-agora-museu e propõe-nos um olhar filtrado pelo enmascaramento dos objectos: criando funções inacabadas, esboços de estar, de descansar, de esperar, de comer, de dormir, qual sonho (im)puro e diluído, como aqueles que temos de vez em quando e que nos deixam a sensação dúbia de termos estado ali, com toda a nitidez do mundo real mas, irremediavelmente, num sonho.
Carlos Valente
Maio 2009
Maio 2009
Esta mostra poderá ser vista até ao próximo dia 30 de Junho.
Museu de Arte Contemporânea do Funchal